domingo, 6 de novembro de 2011

Violeta Hemsy de Gainza fala sobre Educação musical

Especialista argentina defende o aprimoramento da formação dos professores, aproximando-os da cultura local e garantindo que tenham contato direto com a linguagem artística:

Seja na função de docente, seja atuando como intelectual fundadora do Fórum Latino-Americano de Educação Musical (Fladem), Violeta Hemsy de Gainza é uma das mais importantes autoridades mundiais no ensino de música. Aos 81 anos, a pianista, educadora e psicóloga musical é autora de mais de 40 obras, que abordam Pedagogia da música, didática do piano e do violão, formação de conjuntos vocais infantis e juvenis, improvisação e musicoterapia.

Figura central na história da Educação musical dos séculos 20 e 21, ela diz que o ensino de música em países como o Brasil passa por uma crise e fala sobre os caminhos a serem percorridos para formar bons professores até 2012, quando o conteúdo passa a ser obrigatório na Educação Básica (mas ainda vinculado à disciplina de Arte). Para Violeta, é essencial que os educadores sejam bem formados para trabalhar em sincronia com a realidade social e cultural dos países latinos. "A escola tem de ir ao encontro das necessidades musicais dos alunos." Durante visita à Universidade de São Paulo (USP), no ano passado, ela concedeu esta entrevista à NOVA ESCOLA.

Na sua opinião, a Educação musical na América Latina está em crise. Que crise é essa?
VIOLETA HEMSY DE GAINZA
É parte de uma situação que dominou o mundo globalizado, consequência direta do modelo político e educativo adotado nestes tempos. A Educação musical perdeu créditos, se tornou uma utopia. Em alguns países, foi suprimida em vez de ser melhorada. Não é organizada de uma maneira integrada, está ilhada e sofre com a falta de estabilidade. Gostaria que não fosse mais preciso ficar discutindo se a música é algo relevante ou não. Ela sempre é muito importante para os alunos, desde que bem ensinada.

A Educação musical é uma ferramenta de inclusão social e cultural?
VIOLETA
Sim, e existem muitos movimentos nesse sentido, especialmente os encabeçados por instituições culturais e de Educação não formal. Há muito potencial a ser explorado e a inclusão social deveria estar dentro disso, não como uma moda. Para que a inclusão seja democrática, a música deveria ser bem ensinada em todas as escolas e em todos os segmentos, até a universidade.

Como aproximar a cultura latino-americana da música na escola?
VIOLETA
Os países latino-americanos estão tratando de aprofundar sua identidade e isso vem sendo feito com certa dose de dificuldade. Apesar de terem mais de 200 anos de independência política, vários ainda lutam pela independência dos centros do mercado mundial. Não é uma coincidência que os modelos educativos atuais fracassem. E é por isso que ressalto o êxito que bons projetos de inclusão musical podem ter quando trazem à tona a cultura local.

Há bons projetos de formação musical nos países latinos?
VIOLETA
Sim, conheço alguns. Essas nações possuem uma extraordinária riqueza musical. No Brasil, há alguns projetos notórios. Destacaria o Projeto Guri, no estado de São Paulo, que beneficia milhares de crianças e jovens de famílias de baixa renda, integrando-os a orquestras e bandas de música erudita e popular. Também merece destaque o trabalho sociomusical desenvolvido pela escola Pracatum, em Salvador, do cantor e compositor Carlinhos Brown. Nos demais países, uma das iniciativas mais bem-sucedidas de que tenho notícia é o El Sistema, das orquestras infantojuvenis da Venezuela, aclamado por introduzir a música na vida de crianças em situação de risco e promover a inserção artística e profissional de todas elas.

O Brasil aprovou uma lei para tornar obrigatório o ensino de música na Educação Básica. O que tem a dizer sobre isso?
VIOLETA
Este é um dos países mais pujantes e criativos no que diz respeito à produção musical. Se aqui vai haver ensino de música nas escolas novamente, meu conselho é que os educadores responsáveis pelo planejamento busquem lições das nações que não conduziram bem esse processo e gastaram muita energia em infraestrutura, computadores e planejamento. Planejar é importante, mas é preciso pensar no processo educativo propriamente dito.

Qual é o melhor jeito de fazer isso?
VIOLETA
Não existe uma maneira única de trabalhar corretamente, mas devem ser respeitados alguns princípios comuns. Um deles é que o ensino de música começa com a produção e a prática da própria música. Essa é uma condição básica. Por isso, o governo precisa buscar formas que sejam profundamente atuais e eficazes para satisfazer às necessidades musicais apresentadas pela moçada que está na escola.

Qual é o principal objetivo educacional da música no currículo?
VIOLETA
Dar a todos os estudantes a oportunidade de compreender e expressar a linguagem musical e, ao mesmo tempo, fomentar o desenvolvimento da sensibilidade e da capacidade de articulação de crianças e jovens por meio da prática musical ativa.

Que mudanças devem ser feitas para que a Educação musical no Brasil se torne uma realidade?
VIOLETA
O primeiro passo é buscar profissionais preparados. Muitas vezes, as estruturas educativas são extremamente burocratizadas e, sempre que se tenta promover algo, são chamadas as mesmas pessoas. Necessitamos de professores, de fato, especializados em música. Essa é uma questão profunda. Se ensino Medicina, contrato médicos. Por que, se ensino música, contrato pessoas que desconhecem o tema?

Então, professores de música precisam necessariamente ser músicos?
VIOLETA
Mais do que isso. Eles têm de ser especialistas em música e em Pedagogia. Nem todos os músicos conhecem a Educação profundamente. Com a de-cadência da Educação musical formal, os docentes licenciados em música foram diminuídos, mal aproveitados. Hoje, confia-se muito mais em um professor de Arte, que demonstra estar mais atualizado quanto à realidade de sala de aula. Se a música vai voltar às escolas, isso não pode ser feito superficialmente.

Como formar bons professores para o ensino de música?
VIOLETA
Para começar, eles têm de conhecer música e ter contato com essa arte. Somente se tiver vivência musical construída ao longo da vida, poderá aprender mais e assim adquirir um conhecimento mais profundo para ensinar as crianças. Há educadores que não fazem ideia de como funcionam o comportamento e o desenvolvimento sonoro dos alunos. Isso, definitivamente, não é algo que se consegue apenas lendo trabalhos acadêmicos ou um livro sobre neurociência. Eles têm de entender e praticar a Educação musical e os governos devem oferecer cursos e estímulos para quem quiser se aperfeiçoar.

Começar o ensino de música pelo canto é o melhor caminho?
VIOLETA
Música se faz com a boca, com o corpo e com os instrumentos. Não há uma fórmula específica. Não se pode prescindir do canto. Nem todas as crianças cantam bem. Isso é bem difícil para qualquer um fazer. De qualquer forma, os pequenos devem usar a voz e tocar na escola. E cabe aos educadores oferecer a eles as oportunidades, de acordo com a aptidão de cada um.

A senhora estuda um método conhecido como eutonia. O que é isso?
VIOLETA
É um método criado no século 20 pela alemã Gerda Alexander (1908-1994) que ajuda as pessoas conhecer suas referências corporais. A sabedoria dela foi reconhecer que o remédio para aliviar as tensões é o controle do tônus. E a música se inclui nisso. Interpretar (Ludvig van) Beethoven (1770-1827) é diferente de interpretar (Claude) Debussy (1862-1918). O primeiro exige um tônus mais pesado, e o segundo criou algo mais leve. Eu tocava piano e estudava técnica, e a metodologia da eutonia me ensinou o que era tocar. Como disse o músico e compositor argentino Fito Paez: dar es dar. Tocar é tocar, oras. Foi assim que aprendi a reconhecer quando alguém toca você.


Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Conversas com Gerda Alexander
, Violeta Hemsy de Gainza, 176 págs., Ed. Summus, tel. (11) 3872-3322,
39,10 reais

INTERNET
Informações sobre o trabalho de educadora
(em espanhol).


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