por Guilherme Nascimento/ilustração por João Marcelo Guimarães


Dotado de grande poder de observação e criatividade ímpar, Villa-Lobos sempre soube, ao longo da vida, construir as ferramentas necessárias às suas necessidades. Nosso maior compositor e um dos educadores musicais de maior projeção no país foi homem com poucos antecedentes escolares, praticamente um autodidata. Quando retornou da Europa, em 1930, ele percebeu, com clareza, as deficiências musicais do povo brasileiro e se engajou na tarefa de disseminar um programa de educação musical de massa por todo o país.


As escolas públicas do estado de São Paulo haviam implantado, em 1912, um programa de educação musical de grande sucesso. Tratava-se do canto orfeônico, uma modalidade de alfabetização musical exercida através da prática do canto coral, originada na França nos anos 1830. O exercício do canto orfeônico visava contribuir para uma educação musical mais abrangente, em oposição ao ensino especializado dos conservatórios musicais. Com a adesão de Villa-Lobos ao programa educacional paulista, em 1931, o canto orfeônico ganharia um impulso jamais imaginado no país.
Mas para que seu projeto pudesse ser realizado seria necessário associar-se ao Governo Federal. Com a aliança, Villa-Lobos disseminaria o canto orfeônico por todo o Brasil e Getúlio Vargas ganharia um programa de doutrinação patriótica monumental. De mera atividade artística e educacional, o projeto original acabou tornando-se, também, instrumento de disciplina e patriotismo.


Dentre as suas realizações, Villa-Lobos propiciou a instrução musical e a prática coral a milhões de crianças Brasil afora; ajudou a disseminar a música folclórica e indígena através de arranjos e composições próprias; criou um coro dos professores de canto orfeônico; publicou o Guia Prático, uma obra em seis volumes contendo inúmeros exemplos musicais, de cantos indígenas aos clássicos da literatura universal; promoveu concertos em estádios de futebol com grandes massas populares; apresentou inúmeros programas radiofônicos educacionais destinados às crianças; empreendeu esforços para promover a música brasileira e torná-la mais conhecida no Brasil mediante uma série de concertos destinados aos jovens; fundou o Conservatório do Canto Orfeônico que promovia, além de suas funções educacionais, a pesquisa musicológica e a gravação de obras brasileiras com fins educacionais; criou a biblioteca do Conservatório, que abrigava obras musicais brasileiras e promovia a música brasileira do presente e do passado; e conseguiu que o ensino musical se tornasse obrigatório nas escolas brasileiras.


A despeito das críticas que a aliança com Getúlio Vargas gerou, Villa-Lobos nutria o verdadeiro desejo de elevar o nível cultural do país. Ao ensinar música às crianças ele imaginava, no futuro, um povo mais educado, mais sensível, mais disciplinado, com mais respeito pelo país e sua herança cultural, mais consciente da diversidade de sua população, de sua história e de suas manifestações artísticas


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